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A densidade do retrovisor

  • Foto do escritor: memoriaskariri
    memoriaskariri
  • 29 de jun. de 2020
  • 13 min de leitura

Atualizado: 30 de jun. de 2020

Paulo Júnior


Olhar pelo retrovisor é sempre algo convidativo, pois é necessário olhar para trás para tentar entender aquilo que ocorre no presente. O Cariri cearense é rico; de maneiras múltiplas se mostra e se descobre. Apresenta-se culturalmente como construtor de marcas de expressividade e de determinada maneira demarca modos de resistência e debate, sendo estes modos aceitos ou questionados.


Neste olhar ao retrovisor, percebe-se que os processos de ocupação insurgem como maneiras de ação, de defesa de bandeiras, atividades, como uma forma de lutar contra algo que se impõe. Em 2003, acontece a primeira ocupação do Cariri em uma instituição de ensino superior, segundo a professora Zuleide Queiroz. Esta ocupação ocorreu na Universidade Regional do Cariri (URCA), e tinha entre suas principais motivações a nomeação do André Herzog para a Reitoria da instituição, além de reivindicações que buscavam melhores condições estruturais e equipamentos para os espaços da universidade.


A ocupação se estendeu então por vinte e um dias, conseguindo unir muitos entes da comunidade acadêmica, professores, técnicos administrativos e estudantes. Os ocupantes saíram somente após reintegração de posse, realizada com auxílio do Batalhão de choque da Polícia Militar.


Seguindo a linha histórica do tempo, dez anos após a primeira ocupação, em 2013, a Câmara Municipal de Juazeiro do Norte-CE foi surpreendida com uma ocupação popular. Tal fato veio em resposta ao escândalo da “Farra das Vassouras”, que ficou nacionalmente conhecido, pois referia-se a uma compra monumental de materiais de limpeza. Entre as pautas estava, ainda, um decreto recém aprovado que reduzia a remuneração de professores em 40%,, além do reajuste salarial que havia sido direcionado ao prefeito, seu vice, vereadores e secretários municipais.


A Câmara ficou interditada durante pouco mais de uma semana, produzindo um vácuo na prefeitura, pois o então gestor, Raimundo Macêdo, havia sido afastado do cargo e o vice-prefeito não conseguiu tomar posse antes da ocupação. Ressalta-se, porém, que isso não trouxe prejuízo aos serviços da cidade, e a ocupação acabou depois da assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que estabeleceu prazos para cumprimento das pautas do movimento ocupante.


Em 2014, voltamos a presenciar ocupações em setores educacionais, neste caso no Centec Fatec Cariri. Membros de todas as classes se uniram e fecharam o acesso a instituição, alegando que era imprescindível que fossem realizadas reformas nos prédios, além da compra de materiais de laboratório e atualização de softwares aplicados em diversas disciplinas. Estudantes e professores explanavam tais necessidades como fundamentais para o melhoramento das aulas que, segundo ambos, estavam sofrendo graves prejuízos. Não existem dados específicos sobre a extensão do ato, mas sabe-se que ele resultou em diversas ações propositivas que culminaram com ganhos positivos a instituição.


Após este pequeno preâmbulo, chegamos ao ano de 2016, marcante para todo o país, por um conjunto de fatos e atos. Dentre estes destaca-se o impeachment da então presidente, Dilma Rousseff e, no segundo semestre, o corpo de movimentos de ocupação que se espalhou por todas as regiões do país.


Memórias de uma ocupação que abalou a UFCA


A ocupação de 2016 na UFCA em consequência da “PEC do Teto” motivou rupturas e causou conflitos entre estudantes e professores num dos momentos mais tensos da instituição desde a sua criação como campus.


A ocupação começou primeiro no campus do Crato e depois se estendeu ao campus Juazeiro. As demais sedes da instituição - Famed (Barbalha) e Instituto de Formação de Educadores (Brejo Santo) e Curso de História (Icó) não aderiram ao movimento. O conflito maior se deu no campus de Juazeiro - de um lado alunos ocuparam a universidade; enquanto outra parte posicionou-se contrária, o mesmo ocorrendo com o corpo docente.

Tudo começou com um dos primeiros atos do presidente Michel Temer, ao assumir o cargo, levou ao congresso um projeto de emenda constitucional (PEC), para limitar os gastos públicos por um período de vinte anos.


A PEC foi amplamente questionada pelos movimentos sociais entidades representativas da sociedade civil, gerando uma série de protestos em âmbito nacional. O movimento mais marcante e reverberante foi o processo de ocupação que tomou centenas de instituições de ensino, secundaristas e superiores.


O movimento teve início no dia 03 de outubro de 2016, no estado do Paraná e rapidamente se expandiu para todo o Brasil. Em 25 de outubro, desembarcou no Cariri, com a ocupação da Reitoria da Universidade regional do Cariri (URCA). Na Universidade Federal do Cariri, o processo de ocupação se estabeleceu, inicialmente, no campus Crato, em sete de novembro de 2016.


No Crato


Em quatro de novembro de 2016, o Centro Acadêmico do curso de agronomia convocou uma assembleia estudantil para pautar a questão. De acordo com Tiago Barroso, à época estudante e integrante do Centro Acadêmico 12 de outubro, a decisão ocorreu por aclamação, sofrendo, naquele momento, poucas contestações. “Nós vimos a necessidade de chamar a comunidade acadêmica para debater, principalmente os discentes, por isso realizamos um debate e uma assembléia. Ao final, foi deliberado, pela maioria dos estudantes, por aclamação, que a ocupação ocorreria.”


Ele diz ainda que “o processo de ocupação nasceu como necessidade, pois os estudantes estavam acompanhando o cenário nacional, e a votação da PEC iria afetar, especialmente, as universidades em expansão, caso da UFCA. O nosso campus tinha muitas obras e nós identificamos que, além disso, nosso ensino seria colocado em xeque, pois temos muitas aulas com caráter de visita técnica, que devem ser realizadas in loco, e que ficariam prejudicadas diante da PEC 55”.


A sede do curso de agronomia foi ocupada por cerca de quarenta estudantes. No dia seguinte ao ato concretizado - segunda-feira, oito de novembro-, começou a repercussão: fotos e relatos afirmavam que havia bloqueios que impediam a entrada no campus Crato da UFCA. Mas os ocupantes asseguravam que o acesso era livre e que atividades de pesquisa e os laboratórios seguiriam funcionando normalmente; tratava-se somente de uma paralisia das aulas.


Apreensão


A ocupação no Crato animou os ânimos no campus de Juazeiro do Norte da UFCA, principal centro da instituição. Estudantes contrários a todo o processo que vinha sendo realizado, especialmente do Centro de Ciência e Tecnologia (CCT) mostravam-se extremamente apreensivos, pois visualizavam que o segundo local a ser ocupado seria a sede juazeirense.


Tal apreensão se configurava, ainda, devido ao processo de consulta que vinha ocorrendo. Durante aproximadamente quinze dias, os centros acadêmicos que se encontravam consolidados estavam consultando seus cursos por meio de assembléias, buscando definir apoio ou desaprovação à proposta de ocupação. Nos cursos sem Centro Acadêmico, deliberou-se em reunião do Conselho de Entidades de Base (CEB) que a consulta iria ocorrer por meio de votação. Integrantes destes cursos responsabilizaram-se por organizar e apurar os dados.


Cabe pontuar que o resultado final não se daria pelo volume de votos totais, mas sim pela posição individual de cada curso. Ou seja, cada curso contava com um voto, podendo ser favorável ou contrário a ocupação do campus Juazeiro. Um total de nove cursos participaram do processo.


Logo, para a aprovação da ocupação era necessário que, ao menos, cinco cursos votassem favoravelmente, fato que ocorreu. Os cursos de jornalismo, filosofia bacharelado, filosofia licenciatura, design de produto, biblioteconomia e administração pública endossaram os números favoráveis. Porém, os curso de engenharia civil, engenharia de materiais e administração de empresas se posicionaram majoritariamente contra.


De posse dos dados e diante de uma mobilização que se formava, além de greve deflagrada pelos servidores técnicos administrativos, em nove de novembro daquele ano, um grupo de estudantes, durante o turno da noite, passou pelas salas de aula convidando os discentes para um sarau como preparação para a ocupação, iniciada no dia seguinte.


Diante da iminência da ocupação, ainda na noite do dia nove, ocorreu uma discussão provocada pelo estudante do curso de filosofia (depois expulso da UFCA). Ele se apresentou como ex-policial militar e agrediu diretamente dois outros discentes da instituição, um estudante, também do curso de filosofia, e uma de jornalismo (eles preferiram ficar no anonimato). O fato causou confusão durante a noite, a polícia foi chamada à Instituição e uma queixa de agressão foi registrada. Quer dizer, a ocupação se iniciava em meio a conflitos.


O fato relatado não afastou os estudantes dispostos a ocupar a sede da UFCA em Juazeiro. Cerca de sessenta discentes de vários cursos dormiram nas dependências da Universidade. Em um ambiente agora tranquilo, os ocupantes conversavam e debatiam assuntos políticos.


Rodrigo Manfredine, discente do curso de filosofia, lembrou da primeira noite. “Nós fizemos uma assembleia para encaminhar algumas coisas. Por exemplo, quem ficaria na comissão de segurança, comissão de alimentação, quem ficaria na comissão financeira, na político pedagógica, que iria organizar as atividades diárias da ocupação. Prezávamos pela horizontalidade”, afirmou.


Pelo olhar de quem ocupa


A noite, do dia dez, rapidamente passou diante do volume de atividades dos estudantes. O nascer do sol no horizonte cobriu os novos prédios em construção. Os ocupantes se organizavam nos espaços da instituição. Eram 6h da manhã, e os que dormiam acordaram; aqueles que não conseguiram dormir, seguiram então o caminho da cantina, ávidos por café. Se preparavam então para o embate que viria em seguida, certamente esperado.


A primeira hora de ocupação passou rapidamente. Às 07h30 ouvia-se o barulho dos ônibus: outros estudantes começaram a chegar, esperando que fosse apenas um dia comum, de normalidade. Encontraram alguns portões de acesso aos blocos de aula fechados, cadeados expostos. Aos poucos o volume de estudantes e professores crescia; chegavam e estáticos ficavam. Seus rostos eram dúbios, ora surpresos, ora nem um pouco. Ora felizes, ora descontentes.


Cada vez mais estudantes chegavam, se concentravam na escada que dá acesso ao bloco “B” e em frente ao bloco “A”. Os ocupantes não estavam surpresos ao que viam, tal qual se denominavam ocupavam o espaço, eram notados, observados com orgulho e com desprezo. Se organizaram rapidamente, olharam atentamente tudo que se desenvolvia em volta deles. Os bancos do pátio estavam concentrados à frente do bloco “C”, estratégico pela sua centralidade. Ali os ocupantes se mantinham em sua maioria.


O tempo seguia seu passo, por voltas das 08h30 da manhã os ocupantes entoam, em uma só voz, palavras que convocam os demais discentes a unir-se a eles, chamando-os para adotar a bandeira defendida. Segundo Cauê Henrique, estudantes de Jornalismo, bandeira de defesa da educação pública e contra a PEC 55 que iria impor retrocessos drásticos à universidade.


Os gritos dos ocupantes ressoavam nos demais estudantes, primordialmente, discentes dos cursos de engenharia civil e engenharia de materiais. Estes, a cada grito se entreolhavam, uns poucos aceitavam o modo de luta delineado; a maioria estava descontente com a situação, alegava que a ocupação deveria ocorrer apenas com quem concordasse, não como imposição a todos.


Os ocupantes, nesta primeira manhã de ocupação, organizaram um painel para expor como teria ocorrido o processo decisório até o ato em vigência. Tal atividade ocorreu na entrada da instituição e os estudantes que discordavam recusaram-se a participar. Alegaram que preferiam resguardar-se, pois discordavam do processo e do ato como um todo.


Naquela manhã se instaurava na Universidade Federal do Cariri um clima tenso; a todo momento havia a preocupação de evitar confrontos diretos entre os grupos, questão apontada pelas professoras Silvana Alcântara e Camila Prado. Existia um certo ar de medo pairando, alguns estudantes e professores sentiam como se a universidade estivesse sendo saqueada, tirada deles. Olhares fortes escrutinaram o ambiente. Professores limpavam suas salas e saiam com computadores e diversos outros itens.


O clima tornou-se mais ameno somente após a definição que haveria abertura de uma linha de diálogo entre ocupantes e não ocupantes, buscando definir um meio termo que pudesse agradar a todos em alguma medida. Representantes docentes e discentes dos cursos do Centro de Ciências e Tecnologia (CCT) sentaram-se juntos aos representantes da ocupação, foram diversas reuniões, privadas e públicas.


A proposta defendida por aqueles que se apresentavam contrários ao movimento versava sobre a possibilidade de aulas em três dias da semana, de maneira livre, além do comprometimento dos discentes do CCT em integrarem a programação da ocupação nos dias sem aula. A proposta foi amplamente debatida, porém, rejeitada pelos ocupantes.


Rodrigo Manfredine destaca que a ocupação se propunha a outros modos de aula, menos tradicionais e sem, necessariamente, estar preso a sala de aula. Aulas sobre política, universidade, sobre o impacto da PEC no cotidiano de todos. Ainda neste sentido Camila Prado aponta que haviam reiterados convites para que todos os discentes participassem do movimento, integrando-se e dialogando.


Camila lembra, também, o rompimento com as aulas tradicionais, o que permitiu o enriquecimento do saber, e a conversa com saberes e atividades periféricas, como grupos de skate e perna de pau que estiveram presentes e realizaram oficinas. Todavia, Silvana Alcântara, pontua que o interrompimento do processo de aprendizagem em sala de aula trouxe prejuízos aos discentes, que passaram muito tempo longe do conteúdo, dificultando a retomada da aprendizagem ao final de toda a trajetória de ocupação.


A ocupação produziu um largo grupo de atividades, debates, aulas públicas, exibições de filmes, assembleias, além da discussão da PEC 55. Diversas destas atividades foram vítimas de questionamento, entre elas, a exibição na entrada da universidade do filme ‘Batismo de Sangue’, sobre a ditadura civil militar brasileira.


No dia seguinte a exibição, foi matéria em diversos sites locais e rádios que o grupo de ocupação usava do espaço e dos bens universitários para assistir a filmes pornográficos. Cauê Henrique, afirma que este foi apenas “um dos ataques”. Segundo o discente de jornalismo, pessoas chegavam durante a noite causando incômodos a eles, além de pessoas alheias a ocupação que estariam dormindo sem autorização nas dependências da UFCA. Cecília, discente da administração pública lembra, também, que não raramente pessoas bêbadas chegavam na Universidade e tentavam atentar contra o grupo ocupante.

Os professores


No ato da ocupação, tal qual exposto, os servidores técnicos já haviam deflagrado greve, contudo, professores seguiam sem uma definição firme a esse respeito. De acordo com a professora Silvana Alcântara, teria sido realizada uma consulta pelo sindicato de classe, na qual os membros definiriam sobre uma possível greve, possibilidade esta que foi rejeitada. Porém, após a negativa inicial, a professora pontua que tiveram início os movimentos, por ela denominados, de invasão. Além de uma forte pressão de um grupo específico para que fosse realizada uma assembleia livre, desconsiderando a primeira consulta. No entanto, Camila Prado lembra que o momento exigia que se fizesse algo. “Uma greve realmente proativa, sem esvaziamento”, diz.


Duas semanas se passaram, e uma nova assembleia docente foi marcada. Os membros do sindicato chegaram, montaram o equipamento, colocram o lanche sobre a mesa. Aos poucos o miniauditório ficou lotado por professores, técnicos, estudantes. O clima era tenso, ambos os lados articulavam por sua vitória. Via-se um tácito campo de batalha, cuja a arma era a retórica.


A assembleia começa com falas exaltadas. Todos se posicionaram, disseram a que e porque vieram. A reunião se estendeu; havia muito a ser dito. Ora falava-se a favor da ocupação e da greve, ora ia-se contra tudo isso. Ora aplauso, ora vaia. O agora miniauditório Bárbara Pereira de Alencar vivia um momento marcante de sua história. Roberto Ramos, professor e à época Pró-Reitor de Gestão de Pessoas, diz que era necessário que os professores se manifestassem, pois duas das categorias da Universidade já estavam paradas e era impossível fingir que havia normalidade.


No momento da votação, ânimos exacerbados, alunos atentos e professores ávidos. Cada voto contava; tinha peso e importância. Os braços levantaram-se, começou a contagem. Um professor à frente questiona outro que está ao fundo, diz: “você é professor substituto”, e ouve: “sou tão professor quanto você”. Braços ainda erguidos, estudantes favoráveis e contrários torcem por um posicionamento, professores ansiosos. Abaixaram-se as mãos, somou-se tudo rapidamente, mas para maioria pareceu eterno, estava, naquele momento, definindo que os professores também estavam em greve.


Ministério Público


Entretanto, tal fator não acalmou por completo as animosidades do processo. Estudantes e professores, cada um a seu posto, agia, articulava segundo suas diretrizes e pensamentos. Silvana pontua que o CCT definiu que ficaria ao lado de seus discentes, independente do que definissem, se apoiassem o ato, também o fariam. Porém, como isso não ocorreu, ela conta que os discentes os procuraram e pediram ajuda. Discentes e professores buscaram apoio junto ao Ministério Público Federal (MPF), pediram orientações sobre que atitudes tomar, buscando encontrar um método de ação.


Seguindo esta linha, o MPF recomendou que a Universidade Federal do Cariri tomasse atitudes para reintegração de posse. O procurador Celso Leal afirmou que “em um Estado democrático de direito, os estudantes têm integral direito de protestar contra atos do governo, porém, não podem invadir o espaço público e suspender as aulas de forma discricionária.”

Ao receber tal recomendação, a Reitoria da UFCA respondeu da seguinte forma: “o movimento caracteriza-se pela ocupação do pátio central da instituição. Com a realização de debates e atividades culturais, não obstruindo o perfeito funcionamento da Universidade, não havendo situação fática que demande qualquer ação judicial de reintegração de posse.”


A declaração da Reitoria aumentou, ainda mais, as dúvidas quanto ao posicionamento da gestão universitária. A isso, Roberto Ramos, responde que a Instituição estava ciente da situação que se desenrolava em todo o país, e que buscava agir dentro da Universidade como mediadora dos conflitos. Relata, ainda, que não eram raros os relatos de pessoas que falavam na possibilidade de ações mais enérgicas. Por isso, segundo ele, a gestão estava tão atenta. Relata, ainda, que havia uma certa simpatia pelos motivos que levaram a ocupação, o protagonismo estudantil, ocupação dos espaços. Mas aponta, também, que existiam grandes discordâncias no grupo de gestão, causando embates discursivos internos.


Todos os professores, estudantes, favoráveis ou contrários ao movimento, relatam que durante todo o processo pairou uma nuvem densa sobre a UFCA. Pois devido a animosidade, e aos fatos que seguiam, havia sempre um certo receio que um dos lados pesasse nas ações, podendo levar a atos que diferem do convívio harmônico com a divergência. Contudo, mesmo diante das controvérsias que se instalaram, das dúvidas, das questões com, e sem, resposta, a ocupação trilhou seu caminho, deixou marcas em uma instituição que cheira ainda a novidade.


Em 13 de dezembro era votada no congresso nacional a PEC do teto de gastos; foi aprovada. Em 14 de dezembro se encerrava a ocupação. Pouco mais de um mês após seu início, chegava ao fim. Os ônibus paravam, estudantes desciam, parecia que a cena de 10 de novembro se repetia, estudantes parados, olhavam uma universidade que era a mesma e era outra, transformada por todos. Uns sorriam, outros estavam indignados com o cadeiraço produzido: os ocupantes haviam tirado e limpado todas as cadeiras das salas de aula colocando-as no pátio. Nas paredes, sobre o corrimão da escada, lia-se um poema sobre resistência.


Ao entrar na UFCA, em 14 de novembro, uma faixa gritante dizia: chega de violência. Ela ficou como marca permanente na arquitetura e na memória, durante mais de um ano esteve lá. Mas há, sempre, algo que fica, que marca, para além da poesia pintada, ou da faixa que se esconde.


Roberto Ramos diz que fica a politização dos estudantes, a certeza de que os discentes da UFCA não estão aquém do país, daquilo que chama a atenção da opinião pública.

Rodrigo Manfredine afirma que ficou o sentimento de pertencimento, de enxergar a universidade como uma casa, uma extensão de si mesmo. Fala, ainda, que as instituições de ensino superior devem transcender qualquer lógica utilitarista, de vir assistir aula e ir embora.


Camila Prado lembra da criação de laços entre os próprios estudantes, integrando-os, fala de um espírito de ocupação que leva a universidade para além dos muros que a ela são postos. Camila elabora, também, que a ocupação trouxe ao estudante a ciência de sua relevância, pontuando que a posição dos estudantes é revolucionária, pois transcende a revolução proposta pelo técnico e pelo professor.


Contudo, a lembrança apresenta-se de muitos modos, sob muitas visões. Para a professora Silvana, o que fica da ocupação cabe em uma palavra, ‘prejuízo’. Ela diz: “Quando eu cheguei e vi salas pichadas, cadeiras quebradas, então ficou um prejuízo sim para Universidade. O que eu olho é que o movimento de invasão foi de prejuízo para Universidade e para os alunos no CCT, que foram os que mais tentaram negociar alguma forma de permanecer estudando. Para mim a palavra que resume, é prejuízo.”


Atualmente, quase três anos decorreram do movimento de ocupações. As ideias se assentaram, o tempo passou. Hoje, a UFCA segue seu caminho de normalidade, uma normalidade nova, diferente daquela que vigorava antes. Cursos como as Engenharias Civil e de Materiais, e Administração de Empresas resolveram fundar seus Centros Acadêmicos. Aqueles que já estavam ativos conseguiram consolidar ciclos de renovação, ampliando assim o número de instituições estudantis de base, fator que permite uma maior pluralidade de ideias e debates. Hoje, vê-se muitas coisas, dentre elas, a necessidade de olhar o que precedeu o presente, olhar o passado e as sua densidade.


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