A subversão do Patativa: erotismo, rebeldia e pobreza
- memoriaskariri
- 29 de jun. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 7 de mai. de 2023
João Pedro Nunes •
Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré, foi um poeta à frente do seu tempo. Sua vasta obra reflete seus versos de cunho popular e político, que dialogam com a vida e o cotidiano do trabalhador sertanejo e sua labuta de sobrevivência em uma ordem econômica e social vigente.
O porta-voz do sertão, como é conhecido por muitos estudiosos, nos apresenta uma escrita única e impressionante. Patativa largou a escola aos 12 anos de idade, onde foi alfabetizado por apenas alguns meses, mas isso não impediu que o poeta seguisse sua vida de defensor da classe trabalhadora. Podemos analisar que Patativa nos deixou um grande legado de defensor dos direitos humanos e dos menos favorecidos em uma terra seca e pobre no interior do Ceará.
Será que Patativa é um Karl Marx matuto, sem estudo, mas com um olhar crítico em relação aos problemas sociais e econômicos de um grupo social tão precarizado e marginalizado no decorrer da história? Sim, Patativa é tudo isso e também uma mistura poética e sociológica que se completam em seus relatos de extrema pobreza na luta contra os maus patrões que deterioravam a vida dos trabalhadores. A ave não parou de cantar em defesa também de sua região, sua cidade, seu estado e suas fantasias.
Certa vez o poeta declamou o seguinte verso:
“Se com sentimento nobre
o que defende o pobre
grande comunista é
pertence a mesma lista
do primeiro comunista
que foi Jesus de Nazaré”
Setores conservadores da sociedade e da igreja tentaram censurar alguns versos do pássaro de Assaré, mas felizmente não conseguiram devido ao forte poder apelativo de sua escrita e de admiradores do trabalho do poeta. Patativa não leu “Os Miseráveis” de Victor Hugo, mas sabia muito bem que a luta da classe trabalhadora era árdua tanto no Brasil como na França.
No romance de Victor Hugo, a personagem Cossett é uma pobre menina que sofre as mazelas de uma sociedade altamente capitalista e é maltratada por um casal. Coincidentemente, Patativa escreveu um poema chamado “A morte de Nanã” em que relata a dor da perda de sua filha por causa da seca e do mau patrão.
“Já estou velho, acabrunhado,
Mas em cima deste chão,
Fui o mais afortunado
De todos os filhos de Adão.
Dentro da minha pobreza,
Eu tinha grande riqueza:
“Era uma querida filha,
Porém morreu muito nova.
Foi sacudida na cova
Com seis anos e doze dias
Mas, neste mundo de Cristo,
Pobre não pode gozar
Eu, quando me lembro disto,
Dá vontade de chorar
Quando há seca no sertão,
Ao pobre farta feijão,
Farinha, mio e arroz.
Foi isso que aconteceu:
A minha fia morreu,
Na seca de trinta e dois”
Patativa do Assaré também se saboreou com o erotismo em versos. O poeta enalteceu as mulheres e pensa isso de uma forma idealizadora, expondo traços angelicais, a ternura e a beleza. Em alguns poemas podemos perceber uma realidade erótica na forma como Patativa canta a mulher, sobretudo seu corpo, em que o autor usa de imagens e símbolos influenciados pelo universo sertanejo. O poeta tinha o corpo feminino como um templo e o contemplava formosamente. No poema “A muié que mais amei” do livro “Cante lá que eu canto cá”, existe um forte apelo erótico ao mencionar a mulher amada.
“Era bem firme a donzela,
Só neu vivia pensando.
Quando eu oiava pra ela,
Ela já tava me oiando.
Mode a gente cunversá
E o amo continuá
Quando eu não ia, ela vinha,
Um do outro sempre bem perto
Nosso amô dava tão certo
Que nem faca na bainha”
Que a vida e obra do porta-voz do sertão permaneça viva em nossos pensamentos e que as futuras gerações tomem ele como exemplo de rebeldia contra as injustiças e de luta pelos trabalhadores brasileiros, sobretudo, do nosso sertão. Viva Patativa do Assaré, o poeta do povo.
Assista "A muié que mais amei" de João Pedro Nunes
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