As africanidades na cidade do Crato
- memoriaskariri
- 29 de dez. de 2021
- 3 min de leitura
Texto e Foto: Rafael Ferreira da Silva •

O processo de ocupação no Cariri cearense foi marcado por diversos conhecimentos técnicos, nos quais foram necessários para a transformação do espaço geográfico, constituindo-se novos desenhos culturais e uma nova base sociológica dos territórios caririenses. Farias Filho (2007) afirma que o Crato está localizado na região do Cariri e surgiu em meados do século XVIII, especificamente em 1740 sendo elevada a vila real do Crato em 1763 e, posteriormente, em 1853 torna-se cidade.
A nova configuração sociológica do Cariri se deve à colonização africana, às populações indígenas cariris e os invasores europeus. Nesse sentido, acredita-se que é fundamental lançar um olhar sobre os protagonistas da geo-historicidade caririense, como os índios Cariris e a população africana e afrodescendente. O período afrodiásporico marcou os territórios cearenses, especialmente o Crato, quanto às formas dos desenhos culturais da herança africana que marca o território cratense ao longo dos séculos.
A herança africana pode ser vislumbrada na base material e imaterial da cidade do Crato, a exemplo da casa de taipa de mão e taipa de pilão, as comunidades quilombolas e negras, as tecnologias do couro, os trabalhos dos ferreiros, a dança e os mestres da cultura. Esses fenômenos sociais fazem parte da história e cultura do Crato, os quais devem está articulado nas diversas áreas da produção do conhecimento, produzindo um aprofundamento teórico-metodológico no intuito de suplantar os ideários racistas onde afirma que as populações africanas e afrodescendentes não possuíam conhecimentos ou que tiveram acesso ao universo cultural com as dominações territoriais realizadas pelos europeus.
O professor/pesquisador Henrique Cunha Junior (2013, p. 4) elabora a pesquisa da afrodescendência no intuito de repensar a sociologia da população negra nos territórios brasileiro. “[...] O conceito de Afrodescendências toma em consideração esta necessidade de complexidade e de territorialidade vinda do pensamento africano [...]”. As complexidades dos conhecimentos africanos são vistos pela ciência contemporânea como algo de menor importância, ao mesmo tempo em que desqualifica a participação social da população negra na produção do espaço geográfico. Essa mesma realidade se aplica aos territórios caririense. Não há uma preocupação em descortinar os artefatos da cultura negra.
O patrimônio cultural elaborado pela população negra na cidade do Crato, apontado pela professora/pesquisadora Meryelle Macedo da Silva (2019), é constituído pelo urbanismo, a oralidade, a corporeidade, as organizações sociais na feira, nos engenhos, nas tecnologias do couro e na agricultura. Para cada especificidade do trabalho africano existe, antes de tudo, uma complexidade tecnológica que foi reelaborada no tempo-espaço. No urbanismo existem técnicas construtivas que fazia/faz parte do urbanismo africano, como, as técnicas utilizadas nas construções de casas de taipa de mão e taipa de pilão e a produção do adobe.
Nos engenhos existe outra dimensão tecnológica de matriz africana, como a organização social, a regência dos mestres de rapadura ou de açúcar, os conhecimentos agropastoril, a profissão dos carpinteiros, ferreiros, conhecedores de geografia, química, física, pedreiros, cambiteiros e os vaqueiros. Todas essas profissões estão articuladas e especificadas em cada função.
Os pesquisadores Rafael Ferreira da Silva, Meryelle Macedo da Silva, Henrique Cunha Junior (2019) dizem que o cambiteiro assume a função de transportar nos cambites colocados nos animais o carregamento dos cortes das canas, além de assumir a função de comerciante nas feiras. Já o vaqueiro cuida do gado, o mestre do açúcar ou de rapadura reger a produção e a divisão do trabalho e os ferreiros trabalham na produção e na manutenção das ferramentas dos trabalhadores rurais.
Acreditamos que as áreas da produção do conhecimento devem problematizar o pensamento negro na produção do espaço geográfico, reconhecendo a existência de uma complexidade sistêmica do pensamento negro na formação dos territórios. Existe na territorialidade africana no Cariri, singularidade das unidades africanas reelaboradas no contexto afrodiásporico, o qual pode ser descortinado com olhar critico sobre o eurocentrismo, favorecendo um protagonismo social negro. O Cariri cearense é uma África viva e o Crato deve ser reconhecido nessa África pelo conjunto de artefatos produzido pela população negra.
Referências
CUNHA JUNIOR, Henrique. Afrodescendência e Africanidades: Um dentre os diversos enfoques possíveis sobre a população negra no Brasil. Interfaces de Saberes (FAFICA. Online). v. 1, p. 14-24, 2013.
SILVA, Meryelle Macedo da. Patrimônio Arquitetônico Afrocratense: implicações educativas. 2019. 114f. Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Regional do Cariri-URCA. Crato, 2019.
SILVA, Rafael Ferreira da.; SILVA, Meryelle Macedo da.; JUNIOR, Henrique Cunha. Da construção dos engenhos de cana-de-açúcar à espacialidade negra: geografizando sobre o Crato-CE. In: X Congresso Internacional Artefatos da Cultura Negra, 10., 2019, Crato e Juazeiro do Norte. Anais eletrônico. Crato e Juazeiro do Norte, 2019, p. 601-610.
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