Karyry - terra de cardinais teimosas

Jamal Sebastião •

---

Karyry- Dos povos Karyrys do sertão cearense, entendemos que a

ancestralidade feminina indígena está posta nos corpos que

compõem esta obra. O texto, escrito pela atriz/performer/dramaturga

Bárbara Leite, tenta entender como pensar a relação entre o índice

de feminicídio no estado do Ceará e pensar sua existência quanto

mulher cidadã. Como uma obra artística fictícia pode ser totalmente

influenciada pela realidade da intérprete. Iremos mostrar cenas da

obra e em seguida discutir sobre o real e sobre o ficcional, assim

desenvolvendo uma reflexão sobre como se deu a criação daquele

pedaço de cena até a encenação completa.

Refletir sobre o interior do Cariri cearense está colocando em

questão várias realidades, Cardinal é a avó, a mãe, a adolescente. A

vontade de continuar existindo perpetua nas pessoas independentes

do seu gênero, raça ou classe social. Cardinal é para denunciar que

o feminino está sendo morto e isto é sobretudo um problema social

que precisamos debruçar e atuar pela vida.

Cardinal está dentro de uma produção cênica que transita pela

hibridação das linguagens do teatro, performance e cinema, assim o

espetáculo traz e faz um recorte do que está sendo exercitado e

pensado na criação cênica contemporânea em suas dimensões

expansivas. Enquanto poética o espetáculo suscita que o

espectador, através dos sentidos sensoriais tenha a oportunidade de

vivenciar uma criação/espetáculo que o desperte a pensar

possibilidades outras de entrecruzar linguagens, deslocando os

sentidos perceptivos e mediando uma formação através da recepção

para as múltiplas possibilidades inerentes à criação, isso denota que

pensar a cena teatral contemporânea nos aponta refletir sobre

espetáculos que façam esse transito de linguagens, os quais estão

dialogando e contribuindo com a emancipação de espectadores que

acolhem e junto com a ação constroem as rupturas de linguagem.

O espetáculo Cardinal surge em 2017 dentro do curso de

Licenciatura em Teatro da Universidade Regional do Cariri – URCA.

Atualmente, a obra não está mais vinculada à universidade, é uma

produção independente que ocupa alguns espaços artísticos da

região fazendo temporadas. É um solo teatral que traz para a cena

uma dramaturgia construída e interpretada por uma mulher cearense.

O trabalho busca confrontar/questionar as normas preestabelecidas

pela sociedade sobre como, onde e o que é pertencente ao sexo

feminino diante da sociedade que normatiza e mercantiliza

especialmente o que se diz feminino. Para quem? Para quê? Por

quê? É um grito contra a violência cotidiana praticada a tudo o que

diz respeito ao feminino, independente do sexo biológico e

identificação de gênero, se soa feminino a sociedade estereotipa, por

outro lado acontece a força cardinal querendo voar. Por isso, falar

das cardinais do Cariri é urgente. A necessidade de discutir as

questões de gênero está cada vez mais urgente na sociedade

contemporânea, ainda mais quando levamos em conta à máxima

“Cabra macho do Nordeste”, pensando nesse estigma mulheres e

homens têm refletido e por meio da arte denunciado, e provocado

uma nova perspectiva a fim da liberdade de gêneros. Nos últimos três

anos, o Ceará aparece como um dos Estados brasileiros com um dos

maiores índices de feminicídio, perdendo apenas para o Estado de

São Paulo. A palestra Kariry terra de Cardinais Teimosas é carregada

de memórias de mulheres mortas e de mulheres que querem viver,

será um grito de alerta para que as outras que estão por vir possam

ser cardinais de si. Por fim, essa ação é formativa, política e

essencialmente artística por tratar-se da revelação de uma criação

teatral, desmontando a estrutura e sua base artística para pensar a

vida.

Confira aqui o curta-metragem:

Ficha técnica:

Direção / Fotografia Jamal Sebastião @sobreovivo

Atuação / Roteiro Bárbara L Matias @babisbarbarou

Edição / Câmera Ateliê Clara Luz @atlclaraluz