Pelas salas de Maria Piauí
- memoriaskariri
- 19 de ago. de 2020
- 3 min de leitura
Bibiana Belisário •

"Depois da curva do rio que está seco vocês vão encontrar uma casa branca em uma esquina de sítio, é lá a casa de Dona Maria Piauí”. Rezadeira e católica apostólica romana, a mulher que aos 15 começou no ofício do ramo, cuida de gente viva e desencarnada que passa ou reside no município de Potengi, a cidade que literalmente não dorme. Abrindo os caminhos e livrando da inveja, cuida de 20 pessoas ou mais por dia com sua fé e força de vontade.
Avistei a casa de Dona Maria Piauí e meus 2 graus de astigmatismo me fizeram sentir o branco de sua fachada. O mormaço da terra que nos ardia dos pés a cabeça preparava nossos corpos para recebermos a energia quente, que exalava não só a conhecida rezadeira de Potengi, mas também sua casa.
De cabelo amarrado, “blusa de santo”, saia rodada e rosto fechado estava a senhora de aparentemente 60 anos nas costas, sentada em meio a um misticismo gritante em imagens, cheiros e sons. Após negar-se ser fotografada, filmada e até rezar, pois por promessa à Virgem Santíssima tirou o sábado para descanso, conseguimos ir conversando pelas bordas, tentando conhecer aqui, entender ali, até nos somar a mesma sintonia.
De cima a baixo em uma estante tinha uma linha que partia do coração de Jesus até dois pretos velhos, quase invisíveis, por trás de dois objetos de gesso. Escondidos? “Não, estão para ser vistos por quem precisa enxergar”, disse Dona Maria quando perguntei sobre, em dado momento que ficamos a sós, e ainda completou: “minha fia não é besta né?”. Segurando minha mão, me levou até a cadeira de madeira na sala de oração, minhas pernas tremiam e meu coração palpitava como se tivesse um passarinho batendo dentro. A força que passeava no espaço parecia entrar e sair como feixes de luz entre as telhas vazadas, alumiava de canto, amarelava o lugar e dava a impressão de que tudo era sol, mas não queimava, aquecia e curava.
De imediato me deparei com as imagens de Nossa Senhora Aparecida e Mãe Yemanjá, elas “falavam” que não importa a forma, tem que ser com fé, é tudo a mesma coisa, o mesmo Deus. O que capturei da sala pareceu um filme de uma semana inteira. Eram elementos que se completavam.
A emoção tomou de conta e o corpo estremecia ao sentir fortemente a presença do povo dos matas, prontamente indaguei sem se dar conta: “a senhora trabalha com Mãe Maria das Matas?”, ela sorriu de canto e disse que não só ela. Proseamos muito, trocamos nomes e histórias. Olhando fixamente nos meus olhos, soltou os cabelos como um ritual e falou calmamente que iria me benzer, nesse instante pude sentir a empatia que se coloca por trás da cara e corpo duro, é só proteção, “energia de gente adulta é pesada”.
A aroeira lavava como água corrente de um riacho, parecia que tava fazendo buraco em cada pedra que me fazia estagnar, de fato abriu caminhos, podia até ver de olhos fechados a leveza das mãos daquela mulher que da boca entoa a reza com firmeza, lembrando cantos de procissão, e se entrega de corpo para seu sacerdócio.
Do meio pro fim eu não entendia mais o que era real ou não, percorria em mim, visceralmente, uma irradiação de fluidos, tudo dançava e tinha cor. Ela suavemente tocou minhas mãos, elevou-as ao céu, fez uma a outra se tocar e tudo esvaneceu. Potengi ficou ali para mim.
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