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Rezadeiras do Cariri: o ofício oriundo da fé

  • Foto do escritor: memoriaskariri
    memoriaskariri
  • 7 de out. de 2020
  • 5 min de leitura

Aline Fiuza e Anabelle Amorim

Foto: Reprodução/Google Imagens


Há muito tempo que o homem vem caminhando em diversos percursos na tentativa de suavizar o sofrimento causado pelos males físicos, e, assim, afastar de si o risco da morte. Em uma jornada longa, muitos são os recursos e agentes descobertos e produzidos, tanto integrantes de um saber qualificado acadêmico, quanto de outro, fundamentado em reinterpretações e no empirismo. É justamente neste limiar entre essas duas concepções de conhecimento que encontramos uma das figuras atuantes que têm, no seu trabalho, a finalidade da cura e da proteção das desgraças: a rezadeira.


Uma das particularidades mais populares e consolidadas do Cariri é o seu aspecto religioso. Este se encontra nas mais diversas formas e vertentes no cotidiano e a cultura antiga, porém, ainda bem utilizada das Rezadeiras, é um exemplo disso. As Rezadeiras estão presentes de forma significativa na localidade, e ao longo do tempo, enraizaram-se nos costumes da região, causando curiosidade sobre seu trabalho e os métodos utilizados.


Também conhecidas por curadores ou benzedores, são homens e mulheres que utilizam a sabedoria ancestral, através de rezas e cantos, objetivando a melhora daqueles que os consultam, curando-as por meio da fé. Para compor o ritual de cura, utilizam diversos elementos: ramos verdes, terços, gestos em cruz feitos com a mão direita, agulha, linha, pano e reza.


Geralmente as rezadeiras são recorridas para tratarem de doenças como mau olhado (olhar a que se atribuem poderes de causar malefícios), quebranto (efeito malévolo que o olhar de algumas pessoas produz em outras), vento caído (moleza, tristeza, palidez em crianças de colo) etc.


Não se sabe quando ou onde surgiram, as opiniões dividem-se a respeito da origem, alguns dizem que Jesus Cristo foi o primeiro curador, e que este conhecimento foi passado de gerações a gerações, até chegar aos dias de hoje. Apesar de pessoas do sexo masculino também desenvolverem trabalhos de reza, a atividade é demasiadamente feminina, sendo comum a aprendizagem das mesmas através de familiares e vizinhos. Há também aquelas que explicam seus conhecimentos por meios sobrenaturais, como sonhos, visões e guias.


Para Dona Olívia, rezadeira na cidade de Várzea Alegre há mais de 40 anos, a reza é um meio de se sentir bem, e servir às criancinhas, no intuito de fazer o bem. “Sempre tive muita fé em oração e eu tinha muito pesadelo desde criança e ainda com o tempo, eu já em idade adulta, já tinha me casado e tinha uns dias que eu tinha aqueles sonhos e ficava aquele pesadelo, aquela coisa ruim, então quando eu comecei a rezar nas crianças, pronto desapareceu, foi bom tanto pra mim como para muitas crianças que serviu também” [sic], disse a benzedeira.


Além disso, a cultura das rezas foi transmitida a ela hereditariamente, através de sua avó que também fazia as orações. Sobre o método utilizado acrescentou: “Uso três folhinhas, mas tanto faz você rezar com as folhas como não, mas sempre eu acompanhei aqueles gestos daquelas pessoas de idade e fui rezando com as folhinhas, mas eu rezo sem as folhinhas também”, ressaltando ainda o fato de que não cobra nada pelos atendimentos, atitude que se repete entre a maioria das rezadeiras.


Segundo ela, o principal é a fé, se a pessoa vai na rezadeira sem a fé de que vai ser curado, não adianta. Já sobre a questão do preconceito, Dona Olívia citou um caso em que Testemunhas de Jeová a advertiram sobre rezar nas pessoas, dizendo-lhes que “Deus não gostava que as pessoas rezassem nas outras”.


Incomodada com a situação, Dona Olívia que além de rezadeira é Ministra da Eucaristia na Igreja Católica, recorreu a um padre para saber se havia algo de errado no que fazia, e obteve como resposta que se ela fazia aquilo apenas para o bem, como forma de servir a Deus, não havia mal algum.


Levando em consideração que geralmente as rezadeiras pertencem à Igreja Católica, não são apenas os Testemunhas de Jeová que não concordam com tais atitudes, como também outras religiões discriminam esses atos. Além disso, há também muitas pessoas que independentemente de religião, não acreditam no poder da cura através de oração.


Em contrapartida, há aqueles que mantém sua fé inabalável e que acreditam no poder das rezas. A exemplo destas, está Dona Creuza Fiuza que sempre confiou no dom das rezadeiras, e tanto frequentou como levou seus filhos para serem rezados. “Eu estou com um problema no olho e resolvi ir na rezadeira pra ela rezar em mim, porque nosso Senhor Jesus rezava e curava os povos, e as rezadeiras tem esse mesmo papel dEle. Eu acredito que é a fé que cura, e eu tenho muita fé que através da oração eu vou melhorar”, relatou a aposentada.


A juazeirense Angelina, 30, que faz esse trabalho desde os 17 anos, diz que aprendeu as rezas sozinhas ainda criança “Eu faço (a reza) porque me faz bem, não é que eu faça porque quero ter mérito não, porque quem tem mérito é Jesus [...] se não fosse Ele eu não teria o dom de rezar em alguém e curar. Na palavra do Senhor diz que todo aquele que vier em Seu nome, Ele tira as mazelas e dá a cura. É Jesus que cura, e não eu”.


“É algo que vem de dentro de mim, que nem eu sei”. Católica, ela usa apenas o terço e a bíblia em suas orações e diz que tem visões desde menina: “A partir do momento em que vou orando em alguém vai aparecendo para mim como se fosse um flash e aquele flash me diz aonde eu posso entrar, se é problema de uma simples oração, ou uma doença que um médico possa vir a curar”, conta.


Questionada se as rezas funcionam, revela que “para mim é a minha fé, mas para as pessoas funciona, todas as pessoas que vieram na minha casa, sempre vinheram com o intuito de receber a palavra do Senhor e saíram aliviadas. O que faz funcionar é a fé do ser humano, a minha junto com a da pessoa que vem ”.


Angelina reza em crianças, idosos e adultos, estes últimos são os que mais procuram seu

trabalho, e ela nunca cobra nada e ainda justifica que “a palavra do Senhor não é para ser vendida e sim dada”.


Sobre os problemas desse ofício, Angelina explica que há algumas consequências dependendo da pessoa que é rezada. “Sempre que a gente reza numa pessoa muito carregada você toma para si aquele peso que é da pessoa”. Ela conta que isso resulta, muitas vezes, em náuseas, dor no estômago, dor de cabeça, dor nas articulações, o que segundo a rezadeira é normal. “Uma senhora bem mais velha, que é deficiente visual mas também reza, disse que é normal, porque você retira, e você toma doença para si, é inexplicável”.


Em relação à Igreja Católica, a prática das rezadeiras é respeitada, porém não é recomendada por motivos doutrinários. “A Igreja prega que existe o bem e o mal, existe a graça de Deus e a desgraça, uma pessoa só entra na desgraça se ela abrir as portas para isso, se ela direta ou indiretamente permitir que isso aconteça. Com isso, a Igreja não crê que exista um mau olhado, quebranto, essas pragas que uma pessoa vai jogando na outra e que somente uma reza ou uma benção de uma benzedeira pode livrar”, disse o Seminarista André Luís Bezerra.


Assim, vê-se que a prática da reza não se nutre apenas das crenças, súplicas aos santos e ramos verdes, mas também de outras práticas culturais que estão em contínuo processo de elaboração, como as experiências cotidianas, que contribuem para a manutenção deste ofício perante a coletividade. A fé estabelece, nesse contexto, uma fluidez de saberes, que colaboram para uma sociedade mais assistida no âmbito cultural e medicinal.


 
 
 

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