RIQUEZA, PAIXÃO E DECADÊNCIA DE MARIA PIA
- memoriaskariri
- 28 de dez. de 2021
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Hérlon Fernandes Gomes •

Os mais velhos diziam, ali pelas bandas de Brejo Santo, quando queriam ressaltar as exageradas posses de alguém:
- Aquele ali compete com Maria Pia, em riqueza!
A mulher ficou conhecida pela vultosa herança recebida, quando, em 1932, faleceu-lhe o pai, o Coronel Pedro Martins, dono de terras sem fim, limitando até os estados vizinhos, além de muito gado e ricos negócios.
Na solidão de seu quarto no velho sobrado, nas Cacimbas, construído pelo seu avô, em 1850, quando já era dono de tudo, Maria Pia refletia sobre pra quê lhe serviria tanto dinheiro, se a morte acabou levando tudo o que julgava mais precioso. Primeiro foram os filhos: um, aos seis meses; depois foi a morte de Francisca, sua boneca, a luz de seus olhos, a rosa do jardim, aos quatro anos. Depois, o pai; veio, então, a viuvez seguida da morte da mãe. A morte andava no seu encalço. Só lhe restaram um irmão solteirão e uma irmã viúva, além de muito, muito dinheiro. Tanto que ela nem conseguia mensurar.
Vencido o nojo do luto, das cinzas de seu coração desiludido, Maria Pia se deixou seduzir por um don juan do sertão: Zé Pimenta. Boticário de Missão Velha, caixeiro-viajante, um dia apareceu no casarão, com sua maleta de novidades, oferecendo óleos perfumados, águas-de-colônia, essências, unguentos e pílulas para a alegria. Com seu jeito manso, educado, como a tratar Maria Pia igual a uma rainha, reacendeu-lhe uma brasa de paixão que julgava inexistente.
Não demorou muito, tornaram-se amantes. As idas e vindas de Zé Pimenta para visitar a viúva não pareciam ser só de negócios. Logo veio o falatório do povo. Largou esposa e filhos para viver com a rica viúva. Aquilo foi um escândalo.
Os irmãos de Maria se preocupavam quando tinham notícias de que as propriedades estavam à venda, para bancar luxos exagerados dos dois; viam naquilo a intenção indisfarçável de um golpe e passaram a pressioná-la a abrir os olhos. Cega, Maria Pia achava o sentimento de Zé Pimenta genuíno e decidiu que viveria do jeito que sempre quis, sem dar satisfação a ninguém, sendo feliz, gastando o que era seu.
O festival da extravagância era noticiado por todos. Zé Pimenta ostentava em automóveis, festas regadas a champanhe e orquestra de música; gostava de viajar, conhecer novos mundos. Não demoraria muito para ele e Maria Pia serem rostos conhecidos nas lojas e restaurantes caros de Recife, Fortaleza...
Pelo fim dos anos 60, mandaram abrir uma pista de pouso nas Cacimbas, para descer avião, fretado de Recife, para trazer os amigos de baralho de Zé Pimenta. A notícia, de que um avião pousaria ali, trouxe gente da cidade, do Deserto, do Poço para ver aquele espetáculo. Nesse dia, alegre demais pelo som da sanfona e pelo champanhe, Zé Pimenta presenteou os curiosos com voos gratuitos. Fizeram fila e, assim, como do impossível, muita gente se sentiu como um carcará, lá do alto.
Mas aquela vida pródiga, que demorou alguns bons anos, teve um efeito devastador sobre os bens de Maria Pia. Como cupim, roeu todas as riquezas que possuía, até que se viu amontoada de dívidas, sem um tostão furado. Com Zé, foram se recolher em Missão Velha, onde passaram a viver em extrema humildade.
Quem encontrasse Maria Pia, já envelhecida e viúva, vendendo cocadas pela feira, admirava-se de seu resultado; sem arrependimento, mas com um gosto trágico, narrava a história de sua riqueza, de sua paixão e decadência.
A história de Maria Pia é longa, bordada também pelo folclore popular; mas tudo o que está aqui narrado eu ouvi de gente que conheceu ou morou nas Cacimbas, em Brejo Santo. Conta-se que Maria Pia e Zé Pimenta também fizeram muita caridade por aquele sertão. Dizem que adotaram cerca de quarenta filhos por aquelas redondezas.
Agradecimentos: A Bruno Yacub, que me trouxe dados colhidos com Heitor Nicodemos, e está junto comigo nas descobertas dessas viagens históricas quase esquecidas do velho Brejo Santo; aos irmãos Edmilson Furtado e Edísio Furtado, por compartilharem suas memórias da infância sertaneja.
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